Prometi a alguns colegas as coordenadas do conto de Jorge de Sena que evoquei após o almoço, tentando provocar o Dr. Fernando Ferreira Gomes (FFG). Aqui ficam para todos (ver abaixo), já agora com o enquadramento da história.
FFG foi meu professor de português no curso geral dos liceus e tudo correu placidamente. Nos anos seguintes, falamos regularmente de livros e outras coisas, nos cafés ou na rua. Num dia solarengo, no pedaço mais interessante da cidade, entre o Imperial e o Alvorada, impingiu-me umas fotocópias (suporte raro na época). Foi assim que conheci “As Ites e o Regulamento”, um conto inspirado na vida militar sofrida do escritor em Penafiel. Foi a minha primeira exposição à escrita de Jorge de Sena, numa época em que ainda não tinha publicado a obra-prima “Sinais de Fogo”, nem o prodigioso "O Físico Prodigioso". Fiquei-lhe sempre grato por isso.
Portanto, foi com um espanto ligeiramente indignado que ouvi FFG jurar que nunca tinha sido meu professor e que nem sequer me conhecia… Trinta e dois anos depois, apenas. Deixo aqui uma parte do conto que, pelos vistos, ambos decoramos. Como aperitivo, dado que a última edição está disponível nas livrarias, por apenas 15 euros.
(...)
Penafiel, nesse tempo, era uma avenida larga com casinhas baixas, em cujos extremos, embora não exactamente neles, havia, respectivamente, o casarão imenso e acachapado do quartel e um santuário pretensioso e recente, construído na mira de justificar romarias que reanimassem o comércio de uma cidade que vivia só do quartel. E o quartel, em verdade, não dava para muito. Tirando alguns botequins em pontos estratégicos da avenida única que aliás era a estrada, e alguns prostíbulos mais, no fim da cidade velha que, em ruas estreitas e abruptas, se agarrava às traseiras das casas de um dos lados da avenida, e escorregava por essa encosta abaixo por calçadas de seixos e regueirões de lama e lixo, o quartel não trouxera mais nada. (...)
Conto: As Ites e o Regulamento.
Livro (sequência de contos): Os Grão Capitães.
Editora: Edições 70.
Acontecimentos: Penafiel, 1941.
Redacção: Assis, Brasil, 1961.
Primeira edição: Lisboa, 1976.
PS: Nos tempos de liceu estava longe de imaginar que viria a ser um dos últimos milicianos do quartel de Penafiel (CICA1, 1990). Ao contrário de Jorge de Sena, estive com agrado, na companhia de militares civilizados, numa cidade boa. Está sempre tudo a melhorar.
José Barros
